sábado, 27 de novembro de 2010

Décimo Terceiro

Era dia treze, e a mulher estava parada olhando os números que se acendiam em contagem regressiva, estava no décimo quarto andar, e a luz estava agora no número dezesseis. Enquanto esperava o elevador, começou a pensar em como seria quando chegasse em sua casa, era como se estivesse se assistindo entrando pela porta da sala, deixando as chaves na estante, se dirigindo até a cozinha para abrir a geladeira e ver o que faria de jantar para seu marido e seu filho, comeriam assistindo televisão, o filho iria para o seu quarto jogar videogame até a hora que sentisse sono e dormisse, e seu marido iria para o quarto dos dois para descansar, pois estaria exausto com o dia de trabalho, e teria que novamente acordar cedo pela amanhã, enquanto ela ficaria assistindo televisão e não sairia até que acabasse a novela, depois iria até o banheiro de seu quarto, tomaria dois comprimidos, e dormiria. Era como um roteiro de todas as noites.
A luz agora iluminava o número quinze, e por já estar próximo, ela dava seus últimos sinais de impaciência, batendo com o pé direito, cruzando os braços e olhando para cima com ar de quem está com pressa, mesmo não tendo nada que realmente importasse a se fazer. E então o número quatorze brilhou, ela olhou para frente, viu a porta se abrir por detrás do vidro da porta que separa o elevador e o corredor, e a puxou para que pudesse entrar, e logo que entrou já apertou o botão direcionado ao térreo. Sentiu uma felicidade momentânea ao ver que o elevador estava vazio, pois não se sentia muito confortável em dividir espaços pequenos com pessoas desconhecidas, porém o elevador parou logo, no décimo terceiro andar, e nele entrou uma jovem de aparência bastante notável. Era loira, com um corte de cabelo quase masculino, usava maquiagem forte nos olhos, maquiagem mais usual à noite, uma camiseta azul com escritos coloridos e em outro idioma, um short jeans bem curto, e um tênis branco surrado.
Nem se encararam, apenas ficaram esperando, mas em algum lugar entre dos andares seis e sete, houve uma falha que forçou o elevador a parar. A mulher fez uma expressão que dizia “era só o que me faltava” e apertou repetidamente um botão vermelho destinado a alertar os serviços caso algo do tipo acontecesse, enquanto a jovem continuava sem expressão, observando suas ações. Cerca de três minutos depois, ouviu-se uma voz:
-Senhoras, houve um problema na casa de máquinas, mas já estamos resolvendo isso, as senhoras serão liberadas em alguns minutos.
-Porra, era o que me faltava – disse a jovem loira, antes de sentar-se no chão e abraçar as próprias pernas.
A mulher continuou em pé, tentando não transparecer nenhum sentimento, mas falhando, pois era claro pelas suas expressões que estava impaciente para sair dali, ainda mais na presença de alguém a quem julgava tão alheio de si, e em um espaço tão curto, por sabe-se lá quanto tempo.
-Eu acho melhor a senhora se sentar, moça, vai cansar de ficar aí em pé, ainda mais com esses saltos.
-Não, estou bem assim, tenho certeza que isso não vai demorar nada.
Depois de algum tempo esperando, a mulher se rendeu e sentou, pois não agüentava mais o desconforto, mesmo assim tentou sentar o mais elegantemente possível.
-Como a senhora se chama?
-Judith.
-Ah, sim.
E permaneceram em silêncio por mais um tempo.
-Poxa, será que dá algo se eu acender um cigarro aqui?
-Mas é claro que dá, além de ser proibido, você nos mataria sufocadas.
-Claro que não, eu sempre vejo nos filmes que em situações assim, as pessoas abrem uma espécie de alçapão que eu sempre vejo no teto dos elevadores, uma igual aquela ali em cima.
-Mas você não vai fumar, pelo menos não na minha presença, faz quinze anos que eu não fumo, e não pretendo voltar.
-Ok, calma, eu não vou.
-E aliás, qual é a sua idade?
-Dezesseis.
-E isso lá é idade de uma menina fumar?
-E que diferença faz a idade? O cigarro continuaria fazendo a mesma coisa que faz ao meu organismo se eu tivesse quarenta, ou oitenta, talvez até pior, talvez eu o absorva melhor agora que sou mais forte, não tenho problemas de saúde e nem nada.
-E isso lá é desculpa?
-Ora senhora, você não tem nada a ver com a minha vida, o pulmão é meu, eu tenho o direito de foder ele da maneira que eu quiser.
-Você também fala muitos palavrões, menina.
-É que eu não gosto de me conter, acho que faz mal, pode dar depressão, e eu não quero ser como uma dessas mulheres beirando a meia idade que tem que ficar tomando vários antidepressivos para continuar vivendo.
Judith se sentiu atacada diretamente, mesmo que a menina sequer a conhecesse, sequer tivesse visto ela na sua vida, sentiu que aquilo era direcionado para ela, que de algum jeito ela expressava isso em seu rosto.
-E meu nome é Marcela, aliás – disse a jovem, interrompendo os devaneios de Judith.
As duas continuaram caladas por mais algum tempo, sentiram que eram totalmente opostas e que se continuassem em um assunto como esses, e em um lugar que as faziam tão próximas, poderia ser arriscado.
-Eu sabia que não devia ter saído de casa hoje, bem em uma sexta-feira treze, isso é azar.
-Isso não passa de uma superstição, e algumas pessoas têm o treze como um número de sorte.
-E você chama isso, essa situação toda, de sorte?
-Não, eu chamo de carma, acho que é a única coisa que eu realmente acredito, não acredito nessas coisas de superstição, sorte, mandinga, orações, Deus.
-Você não acredita em Deus? Ham, talvez seja por isso que você esteja tão azarada assim.
-Eu parei de colocar a culpa de tudo que acontece na minha vida em coisas sem lógica, e você está na mesma situação que eu, mas do jeito que você é, bem provável que pense que eu faço parte desse esquema todo de azar, visto que eu entrei neste elevador pelo décimo terceiro andar.
-Não havia parado para pensar nisso, realmente.
-Ou o contrário, talvez você teve muita sorte em ficar aqui presa comigo.
-Há, com certeza – disse Judith dando uma curta risada sarcástica.
Com o assunto, a mulher já se sentia presa lá há horas, a presença da garota a incomodava, talvez por sua jovialidade também, mas definitivamente por suas ideias.
Marcela observou bem o rosto de Judith, e disse inesperadamente:
-Você tem traços de tristeza em seu rosto.
-O que você quer dizer com isso?
-Que eu não vejo felicidade, nem prazer, nem nada disso em você.
-Que absurdo, mas é claro que eu sou feliz, nunca se olhou no espelho? Anda como uma vadiazinha e ainda quer dizer que eu sou a infeliz?
-Eu andar como uma “vadiazinha” mostra que eu não me importo para o que pensão de mim.
-Besteira, todo mundo se importa.
-Eu bem sabia que você era uma pessoa reprimida, notei assim que te vi.
-Minha querida, eu tenho uma ótima família, com um filho e um marido que eu amo, uma vida bem estruturada, sem nenhuma preocupação grave, por que eu estaria infeliz?
-Você pode ter tudo isso e ainda não ser uma dona de casa entediada com cara de suicida.
Judith se espantou com essa última alegação.
-Mas o que é que você está insinuando?
-Eu estou dizendo que você deveria aproveitar mais tudo que está ao seu redor, que não deixasse nada escapar, que ter preocupações pode ser bom, isso é o que te impulsiona a viver, vontades, desejos.
Judith se calou, sentiu um estalo em sua cabeça, como se de repente uma porta tivesse se fechado violentamente do lado de dentro do seu crânio. Ou se aberto.
E com um impulso, o elevador voltou a funcionar, as duas se levantaram do chão, e não se olharam mais, até que o elevador atingiu o térreo, as duas saíram ao mesmo tempo, se direcionaram até a portaria do prédio, e antes que cada uma tomasse seu rumo, Marcela olhou para Judith e disse:
-Pense bem em nossa conversa, talvez tudo isso tenha acontecido porque tivesse que acontecer, talvez você tivesse que ter ouvido tudo que eu te falei hoje, talvez o treze realmente seja um número de sorte.
Despediu-se com um sorriso e seguiu em frente, enquanto Judith ia caminhando pela estrada com ar de pensativa. Olhou para o outro lado na rua e via uma padaria/café na esquina, foi até lá, e comprou um maço de cigarros e um isqueiro, depois disso, andou mais alguns metros e entrou em um beco, acendeu um cigarro, e começou a chorar. Chorou até que o cigarro acabou, depois pegou um espelhinho na sua bolsa, que era grande o suficiente apenas para que ela enxergasse um olho de cada vez, limpou as lágrimas, arrumou a maquiagem, saiu do beco, e olhou para a rua, à procura de um táxi.

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