segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Atrás de Alguma Estrela

Eu vago pelas ruas cinzas e sujas do mundo, subindo as ladeiras, passando pelas praças e pelas construções civis cheias de biodiversidade. Vejo crianças chutando latas, pegando latas, jovens que prostituem suas ideias, parados do lado de fora das vitrines das lojas que mostram a vida perfeita e manequins indiferentes rindo internamente. Vejo zumbis maltrapilhos carentes que tentam da maneira mais criativa chamar a atenção de algum pedestre que sequer encosta neles, por medo da doença, da mordida, da higiene, pois de alguma forma ainda se sente limpo e puro em meio a toda essa poluição.
Olhando para os lados, vendo as luzes dos semáforos, dos carros, o azul escuro da tarde virando noite, olho para cima para ver as primeiras estrelas se mostrarem, e fico me perguntando se Deus está lá. Meus amigos pessimistas de esquerda dizem que não, que o que há lá em cima não passa de um imenso infinito cheio de desesperança, e que eu deveria me preocupar em olhar ao meu redor. Meus amigos otimistas de direita dizem que sim, que ele está lá, observando, e que não interfere, pois cada um é responsável pela própria vida e cabe a si a manutenção da mesma. Eu por vezes penso que ele possa estar lá, fugindo da responsabilidade, se escondendo atrás de alguma estrela com medo de nos olhar nos olhos, desertor de sua própria criação, ou talvez seja tudo parte do tal plano, e tudo isso esteja além do meu entendimento na minha infinita ignorância humana.
Talvez por isso não me deixo levar pelas histórias bíblicas, por ídolos, e busco a divindade no que é mundano, na pureza de um sentimento verdadeiro, toda vez que ando pelas ruas, que olho para os dois lados antes de atravessar, dentro dos ônibus, sentados nas lanchonetes, procuro alguém com um brilho especial, alguém que transmita verdade, segurança, e procuro, procuro, procuro, até que me encontro de novo com todas as figuras urbanas bizarras, e o que me resta é me escorar na ideia do grande plano, e de que lá em cima ou em algum lugar, alguém olhe por mim, por nós. Amém.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

A Trilha da Música

Ele voltava para a casa com a cabeça cheia de pensamentos avulsos, não conseguia se concentrar em apenas uma coisa, mas pensava principalmente sobre o futuro, e ficava fantasiando com uma vida totalmente oposta a atual. Enquanto caminhava pela noite, rumo à sua casa, passava pelas paisagens e lugares familiares, tudo sempre igual, mudando levemente de acordo com o passar dos anos. Algumas ruas antes de seu destino, passou por uma loja que estava em reforma, na entrada tinham duas pessoas quebrando o chão com martelos e ferramentas do tipo, e o som do chão quebrando formava um ritmo musical, até dançante, que se alternava em várias combinações. Aquilo serviu para distrair sua atenção dos outros pensamentos que transitavam em sua mente. Esse som predominava a aparente quietude da noite, mas aos poucos se misturava com sons de pássaros, carros ao longe, e sons que vinham de dentro das casas da vizinhança.
Enfim, e infelizmente, chegara ao lar, silêncio, todas as luzes apagadas, cruzou o portão, tirou a chave do bolso e abriu a porta da sala. Foi direto para seu quarto, deitou-se na cama e ligou a televisão. Foi questão de minutos até que começasse a ouvir as discussões.
Começaram no quarto ao lado, e em seguida atravessou o corredor e se estendeu para a cozinha. O motivo era o amontoado de problemas da vida de um casal, mas surgiam frases e afirmações tão irracionais que ele só fazia aumentar o volume e tentar ficar com a atenção o mais distante possível do que acontecia cômodos à frente.
Fazia tempo que não sentia um lar embaixo daquele teto, nada que o prendesse entre aquelas paredes, e se perguntava constantemente o que fazia lá, o que o impedia de desaparecer completamente e começar a tentar viver por contra própria, julgava ter idade e responsabilidade suficiente para tal ato, pensava na liberdade e na possibilidade de achar um novo lar em algum outro lugar, um lugar em que o sentido da palavra não tivesse sido desgastado e esquecido. Ao contrário disso, sua casa começara a lhe perturbar, jurava ouvir vozes, ver fantasmas, sombras, uma paranoia sem fim.
Acendeu um cigarro e começou a reparar no seu quarto, nas suas coisas, como até elas expressavam desânimo, e a cada tragada que dava, vislumbrava imagens na fumaça, as mesmas imagens que pensara enquanto andava na rua, o lugar mais confortável que ele conhecia no momento.
E a discussão continuava, a mãe sempre gritando, o pai sempre falando com um tom sarcástico e inalterável, e o choro, e a falta de nexo.
Não conseguiu cair no sono, tamanha a impaciência de ficar naquele ambiente, e decidiu que aquele dia seria o último dia em que teria que tolerar tal situação.
Demorou mais alguns minutos até que a discussão enfim cessasse, e quando nada mais ouviu, soube que era a hora de tomar o passo seguinte, de confiar em toda a sua pouca experiência de vida e encarar o destino. Pegou uma mochila e uma mala, e as encheu com tudo que achava essencial.
Quando nada mais cabia e a bagagem estava feita, colocou uma alça da mochila no ombro direito e segurou a alça da mala. Respirou fundo, e foi andando pelo corredor o mais silenciosamente possível.
Ao chegar na sala de estar, deu uma última olhada para os porta-retratos, e todas as fotos de família que antes eram felizes, de repente pareceram ter mudado suas expressões, e encaravam-no como se ele fosse um desertor ingrato. Isso o abalou um pouco, mas não fez com que se sentisse menos alheio.
Ao trancar a última porta, deixou a chave embaixo do tapete, atravessou o portão e sentiu o frio da madrugada penetrar-lhe o rosto, em alguns minutos amenheceria, e seria um novo dia, de uma nova vida.
Dois passos que deu, começou a ouvir toda a orquestra da rua novamente, os carros, os cães, os pássaros, e continuou a jornada, tentando não olhar para trás, em vão, pois quando chegou no topo de sua rua, antes de virar a esquina, deu uma última olhada no que agora era um passado que nunca iria esquecer, e que nem sabia se ia de fato abandonar para sempre, talvez alguns anos, quando fosse bem-sucedido, quem sabe não voltaria, quem sabe não seria tarde demais, mas enquanto isso não ocorresse, ia buscar sua vida em outro lugar. Olhou para frente e seguiu andando, quase dançando, seguindo o trilho da música, prestando atenção a cada ritmo novo que ouvia, congestionando a mente com os mais diversos pensamentos.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Ao Falso Sentimento

Incontáveis números de amores em um período tão curto de tempo. Soa tão falso. E no entanto é o que mais se encontra nos dias hoje, casais loucamente apaixonados que fazem juramentos e votos de fidelidade e devoção eternas, mas que não esperam tanto assim para quebrarem as promessas. E quem sou eu para falar algo? Eu, o cara que não sente. Eu, um alguém que já se acostumou a se deitar todas as noites ao lado da solidão, lhe fazendo companhia pra que esta não se sinta tão solitária. E é por isso que eu digo, eu sou o espectador, o que observa de fora o medo das pessoas de ficarem sozinhas, a necessidade que elas têm de usar umas às outras, se enganando constantemente para iludir o vazio que carregam em si. Eu realmente acredito que possa existir uma ou mais pessoas capazes de serem realmente importantes na vida de alguém, e não apenas suprir a necessidade de atenção, de sexo, ou de qualquer coisa do tipo. Eu sei, eu vi.
E lendo isso tudo em voz alta, pode soar diferente para cada um, ridículo, provável, familiar, mas quando se trata de amor eu só sei que prefiro não sentir, a fingir que sinto.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010


"A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade do dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ter alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo". - Fernando Pessoa

sábado, 27 de novembro de 2010

Décimo Terceiro

Era dia treze, e a mulher estava parada olhando os números que se acendiam em contagem regressiva, estava no décimo quarto andar, e a luz estava agora no número dezesseis. Enquanto esperava o elevador, começou a pensar em como seria quando chegasse em sua casa, era como se estivesse se assistindo entrando pela porta da sala, deixando as chaves na estante, se dirigindo até a cozinha para abrir a geladeira e ver o que faria de jantar para seu marido e seu filho, comeriam assistindo televisão, o filho iria para o seu quarto jogar videogame até a hora que sentisse sono e dormisse, e seu marido iria para o quarto dos dois para descansar, pois estaria exausto com o dia de trabalho, e teria que novamente acordar cedo pela amanhã, enquanto ela ficaria assistindo televisão e não sairia até que acabasse a novela, depois iria até o banheiro de seu quarto, tomaria dois comprimidos, e dormiria. Era como um roteiro de todas as noites.
A luz agora iluminava o número quinze, e por já estar próximo, ela dava seus últimos sinais de impaciência, batendo com o pé direito, cruzando os braços e olhando para cima com ar de quem está com pressa, mesmo não tendo nada que realmente importasse a se fazer. E então o número quatorze brilhou, ela olhou para frente, viu a porta se abrir por detrás do vidro da porta que separa o elevador e o corredor, e a puxou para que pudesse entrar, e logo que entrou já apertou o botão direcionado ao térreo. Sentiu uma felicidade momentânea ao ver que o elevador estava vazio, pois não se sentia muito confortável em dividir espaços pequenos com pessoas desconhecidas, porém o elevador parou logo, no décimo terceiro andar, e nele entrou uma jovem de aparência bastante notável. Era loira, com um corte de cabelo quase masculino, usava maquiagem forte nos olhos, maquiagem mais usual à noite, uma camiseta azul com escritos coloridos e em outro idioma, um short jeans bem curto, e um tênis branco surrado.
Nem se encararam, apenas ficaram esperando, mas em algum lugar entre dos andares seis e sete, houve uma falha que forçou o elevador a parar. A mulher fez uma expressão que dizia “era só o que me faltava” e apertou repetidamente um botão vermelho destinado a alertar os serviços caso algo do tipo acontecesse, enquanto a jovem continuava sem expressão, observando suas ações. Cerca de três minutos depois, ouviu-se uma voz:
-Senhoras, houve um problema na casa de máquinas, mas já estamos resolvendo isso, as senhoras serão liberadas em alguns minutos.
-Porra, era o que me faltava – disse a jovem loira, antes de sentar-se no chão e abraçar as próprias pernas.
A mulher continuou em pé, tentando não transparecer nenhum sentimento, mas falhando, pois era claro pelas suas expressões que estava impaciente para sair dali, ainda mais na presença de alguém a quem julgava tão alheio de si, e em um espaço tão curto, por sabe-se lá quanto tempo.
-Eu acho melhor a senhora se sentar, moça, vai cansar de ficar aí em pé, ainda mais com esses saltos.
-Não, estou bem assim, tenho certeza que isso não vai demorar nada.
Depois de algum tempo esperando, a mulher se rendeu e sentou, pois não agüentava mais o desconforto, mesmo assim tentou sentar o mais elegantemente possível.
-Como a senhora se chama?
-Judith.
-Ah, sim.
E permaneceram em silêncio por mais um tempo.
-Poxa, será que dá algo se eu acender um cigarro aqui?
-Mas é claro que dá, além de ser proibido, você nos mataria sufocadas.
-Claro que não, eu sempre vejo nos filmes que em situações assim, as pessoas abrem uma espécie de alçapão que eu sempre vejo no teto dos elevadores, uma igual aquela ali em cima.
-Mas você não vai fumar, pelo menos não na minha presença, faz quinze anos que eu não fumo, e não pretendo voltar.
-Ok, calma, eu não vou.
-E aliás, qual é a sua idade?
-Dezesseis.
-E isso lá é idade de uma menina fumar?
-E que diferença faz a idade? O cigarro continuaria fazendo a mesma coisa que faz ao meu organismo se eu tivesse quarenta, ou oitenta, talvez até pior, talvez eu o absorva melhor agora que sou mais forte, não tenho problemas de saúde e nem nada.
-E isso lá é desculpa?
-Ora senhora, você não tem nada a ver com a minha vida, o pulmão é meu, eu tenho o direito de foder ele da maneira que eu quiser.
-Você também fala muitos palavrões, menina.
-É que eu não gosto de me conter, acho que faz mal, pode dar depressão, e eu não quero ser como uma dessas mulheres beirando a meia idade que tem que ficar tomando vários antidepressivos para continuar vivendo.
Judith se sentiu atacada diretamente, mesmo que a menina sequer a conhecesse, sequer tivesse visto ela na sua vida, sentiu que aquilo era direcionado para ela, que de algum jeito ela expressava isso em seu rosto.
-E meu nome é Marcela, aliás – disse a jovem, interrompendo os devaneios de Judith.
As duas continuaram caladas por mais algum tempo, sentiram que eram totalmente opostas e que se continuassem em um assunto como esses, e em um lugar que as faziam tão próximas, poderia ser arriscado.
-Eu sabia que não devia ter saído de casa hoje, bem em uma sexta-feira treze, isso é azar.
-Isso não passa de uma superstição, e algumas pessoas têm o treze como um número de sorte.
-E você chama isso, essa situação toda, de sorte?
-Não, eu chamo de carma, acho que é a única coisa que eu realmente acredito, não acredito nessas coisas de superstição, sorte, mandinga, orações, Deus.
-Você não acredita em Deus? Ham, talvez seja por isso que você esteja tão azarada assim.
-Eu parei de colocar a culpa de tudo que acontece na minha vida em coisas sem lógica, e você está na mesma situação que eu, mas do jeito que você é, bem provável que pense que eu faço parte desse esquema todo de azar, visto que eu entrei neste elevador pelo décimo terceiro andar.
-Não havia parado para pensar nisso, realmente.
-Ou o contrário, talvez você teve muita sorte em ficar aqui presa comigo.
-Há, com certeza – disse Judith dando uma curta risada sarcástica.
Com o assunto, a mulher já se sentia presa lá há horas, a presença da garota a incomodava, talvez por sua jovialidade também, mas definitivamente por suas ideias.
Marcela observou bem o rosto de Judith, e disse inesperadamente:
-Você tem traços de tristeza em seu rosto.
-O que você quer dizer com isso?
-Que eu não vejo felicidade, nem prazer, nem nada disso em você.
-Que absurdo, mas é claro que eu sou feliz, nunca se olhou no espelho? Anda como uma vadiazinha e ainda quer dizer que eu sou a infeliz?
-Eu andar como uma “vadiazinha” mostra que eu não me importo para o que pensão de mim.
-Besteira, todo mundo se importa.
-Eu bem sabia que você era uma pessoa reprimida, notei assim que te vi.
-Minha querida, eu tenho uma ótima família, com um filho e um marido que eu amo, uma vida bem estruturada, sem nenhuma preocupação grave, por que eu estaria infeliz?
-Você pode ter tudo isso e ainda não ser uma dona de casa entediada com cara de suicida.
Judith se espantou com essa última alegação.
-Mas o que é que você está insinuando?
-Eu estou dizendo que você deveria aproveitar mais tudo que está ao seu redor, que não deixasse nada escapar, que ter preocupações pode ser bom, isso é o que te impulsiona a viver, vontades, desejos.
Judith se calou, sentiu um estalo em sua cabeça, como se de repente uma porta tivesse se fechado violentamente do lado de dentro do seu crânio. Ou se aberto.
E com um impulso, o elevador voltou a funcionar, as duas se levantaram do chão, e não se olharam mais, até que o elevador atingiu o térreo, as duas saíram ao mesmo tempo, se direcionaram até a portaria do prédio, e antes que cada uma tomasse seu rumo, Marcela olhou para Judith e disse:
-Pense bem em nossa conversa, talvez tudo isso tenha acontecido porque tivesse que acontecer, talvez você tivesse que ter ouvido tudo que eu te falei hoje, talvez o treze realmente seja um número de sorte.
Despediu-se com um sorriso e seguiu em frente, enquanto Judith ia caminhando pela estrada com ar de pensativa. Olhou para o outro lado na rua e via uma padaria/café na esquina, foi até lá, e comprou um maço de cigarros e um isqueiro, depois disso, andou mais alguns metros e entrou em um beco, acendeu um cigarro, e começou a chorar. Chorou até que o cigarro acabou, depois pegou um espelhinho na sua bolsa, que era grande o suficiente apenas para que ela enxergasse um olho de cada vez, limpou as lágrimas, arrumou a maquiagem, saiu do beco, e olhou para a rua, à procura de um táxi.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Encontro no ponto de ônibus

Logo após deixar meus amigos em uma praça onde havíamos nos reunido para matar a saudade e passar o tempo, tive que ir para um ponto de ônibus. Chegando lá, ainda me sentia feliz e bem por causa do encontro antes mencionado, e notei que no banco do ponto de ônibus ficavam separados dois grupos de pessoas, de um lado, algumas mulheres e homens, trabalhadores, vidas aparentemente normais, e do outro, três pessoas, dois homens e uma mulher, que quando cheguei estava de costas conversando com os dois e gesticulando sem parar. Esses três últimos pareciam moradores de rua, e a mulher estava nitidamente bêbada. Sentei-me entre os dois grupos, ao lado da mulher de costas.
Fiquei observando a cena, do meu lado direito estavam os três isolados pelo restante das pessoas ao meu lado esquerdo, e notei que os do lado esquerdo por vezes olhavam e faziam uma expressão de desaprovação enquanto a mulher de costas conversava gesticulando com os outros dois homens sobre traições e coisas do tipo. Ela se movimentava tanto que acabou esbarrando em mim por acidente, e quando olhou para trás, eu vi o rosto dela e a reconheci de alguns meses passados, em que a encontrei em uma praça e ela estava igualmente bêbada, feliz e falante. Ela tinha os cabelos e os olhos claros, lindos, porém possuía várias rugas no rosto e usava maquiagem carregada e roupas velhas. Perguntou como eu estava, como andava a minha vida. Contei sobre tudo, perguntei sobre a dela, pedi um cigarro, ela me deu e conversamos por algum tempo, ela perguntou qual era o meu nome mesmo, eu disse e ela comentou que era o nome do filho dela, coisa que já tinha me falado da outra vez que nos encontramos. Mostrou-me uma garrafinha de água e disse que tinha pinga dentro, me mostrou um agasalho de lã que disse que usava para não passar frio na rua de madrugada, e eu perguntei se ela não passava calor com essa blusa e nessa época do ano, e ela disse que certa parte da madrugada realmente é quente, mas em alguns momentos perto do amanhecer, a temperatura cai muito. Enquanto conversava com ela, senti os olhares atrás de mim mudando, olhares de surpresa, espanto, preconceito, e ela e seus dois companheiros se levantaram e saíram andando, mas antes que ela deixasse o ponto de ônibus, ela se virou para mim, parando logo atrás de uma das mulheres do meu lado esquerdo, e disse:
“Fique com Deus”.
E pode ter sido engano meu, mas poderia jurar que esta mulher que ficou perto dela quando ela se virou para mim e me desejou isto, comentou com um tom sarcástico:
“Hum! Deus.”
E fiquei lá, parado, esperando meu ônibus e pensando sobre esse curto acontecimento que alterou minha rotina, sei que diferente das outras pessoas naquele ponto de ônibus, eu não consegui parar para julgar ninguém, mas consegui ver como alguns pensam que por tomarem certas escolhas e terem vidas melhores que outros, também possuem mais valor.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Sobre sinceridade

Tenho andado bastante sincero ultimamente, mais sincero do que nunca antes em minha vida, e já começo a perceber como este tipo de comportamento afeta, sobre tudo, sobre tudo, o seu humor. Obviamente não há como ser sincero o tempo todo, mas ser verdadeiro com suas ideias e seus sentimentos e transmitir isto às pessoas ao seu redor é uma atividade capaz de proporcionar uma sensação de prazer e até mesmo relaxamento. Mas é importante não se deixar levar pela arrogância e achar que o seu ponto de vista é sempre o certo. Uma vez eu conheci um cara que se julgava extremamente sincero e vivia magoando as pessoas, mas na verdade ele só falava merda, e se sentia neste direito porque julgava sofrer mais que os outros. Talvez seja até por isso, a vida dele estava tão infeliz e miserável que ele tentava contagiar a todos com a sua “sinceridade”. Na verdade ele não passava de um grande hipócrita, traía todas as suas ideologias tal como um adúltero trai a sua mulher com algumas prostitutas mais jovens.
A questão é que não se deve ter medo e nem receio algum ao se expressar, por mais transgressor que seja seu pensamento, porque transgressão pode sim causar certo isolamento, às vezes momentâneo, às vezes duradouro, mas nunca perpétuo.